Descaminho

23.3.06

Novo endereço: Jornal X

Meu novo blog está no ar, desde terça, 21 de março de 2006.
Anote o endereço e clique:

http://www.jornalx.com.br

E obrigado a você que, ainda hoje, insiste em passar por aqui.

15.2.06

Retorno

Em março (mês que vem) volto ao mundo dos blogs jornalísticos, com mais ferramentas e mais textos, em novo sítio na internet. Aqui, neste espaço, informarei o novo endereço na web. Obrigado aos que por aqui ainda aparecem, ainda que a inatividade seja de um ano.

15.2.05

Recesso

Este blog entra em recesso por alguns meses. Mas promete voltar, em um ano (no máximo), reformulado.

9.2.05

Plataforma



Exercício de paciência para muitos, Plataforma pode ser proveitoso para quem se dispõe a exercitar o que Walter Benjamin chamava de "olhar distraído". O filme do chinês Jia Zhang-Ke mostra de forma crua como é o processo de transição do socialismo para o capitalismo em seu país, começado no final dos anos 70 e ainda inacabado.

Não há julgamentos morais, muito menos forte viés ideológico (embora o governo chinês tenha proibido o filme), mas sobram planos longos e câmeras distantes dos atores. Claro que tudo é intencional e, ao fim, o cinema consegue passar para o espectador a sensação de impotência de um simples cidadão chines, independente dele estar filiado ou não a qualquer espécie de ideologia.

Surge, com ajuda de um amigo, uma outra reflexão: essa sensação de impotência perante o mundo é mesmo exclusiva ao mundo chinês? Segundo esse meu amigo, o problema do mundo ocidental "não é a "falsa consciência" de admitir que as idéias e as representações têm vida própria". O fenômeno com que nos deparamos hoje é essencialmente distinto: trata-se de uma negação consciente do real (ou, como diriam os psicanalistas: uma degeneração, já que o real não desaparece, mas "fica suspenso").

7.2.05

Garçonete oprimida é clichê da vez


Leona Cavalli é a garçonete Lígia em Amarelo Manga

É impressionante como o cinema - mesmo o bom cinema - persegue personagens fáceis, que levam a uma identificação rápida do espectador. Um desses personagens da moda é o da "garçonete oprimida" que resolve tomar o controle de sua própria vida.

Há quatro bons filmes do cinema recente - dois brasileiros, um americano e um alemão - que pontuam suas histórias com uma garçonete oprimida. São eles: Amarelo Manga, Nina, Os Educadores e Sideways - Entre umas e outras.

Em Amarelo Manga (de Cláudio Assis), a garçonete em questão é Leona Cavalli que, cansada da vida que leva em Recife, assume ares de valentia e passa a enfrentar quem a maltrata. Em Nina, de Heitor Dhalia, a personagem-título (Guta Stresser) se revolta com o patrão e com os clientes que a tratam mal. Explode e nunca mais retorna ao restaurante onde trabalhava. A partir daí, seu perfil psicológico é cada vez menos submisso.

Em Os Educadores (de Hans Weingartner), a garçonete Jule (Julia Jentsch) também se cansa do trabalho sem fim para pagar uma dívida igualmente sem fim. Foge do posto de submissão e assume um discurso revolucionário.

Em Sideways - Entre umas e outras, a garçonete Maya (Virginia Madsen) não é tão submissa quanto a dos outros três filmes, mas recebe um olhar de desdém de um personagem (Miles) que logo depois se interessaria por ela . Mas há um momento do filme em que Maya ganha uma forte carga de vítima, o que acaba colocando-a na confortante posição de oprimida.

O paradoxo dos quatro filmes é que estão todos bem acima da média da produção atual. Mas não deixa de ser lamentável ver que a construção segue pobre, com recorrente busca de personagens de fácil identificação dramática.

3.2.05

19 de março: Ira! em Goiânia



No dia 19 de março tem show acústico do Ira! em Goiânia. A informação já consta do site oficial da banda. A previsão é que o show, que será realizado no Jaó, comece às 22 horas e tenha cerca de 1h30m de duração.

Ingressos Antecipados: Feminino R$ 20,00 [OPEN BAR]
Masculino R$ 25,00 [OPEN BAR]

Mesas para 4 Pessoas: R$ 150,00 [Grátis uma Garrafa de Whisky Ballantines ou Champagne Mumm + Open Bar]

Postos de Venda: Tribo do Açaí, Athletics, Bob´s, Eckzem, Body for Sure, Officina Grill, Brasil Car, Clube Jaó, AgendaGyn.com e Lojas Tim (Flamboyant e Av. 85)

Mesas Venda Exclusiva: Tribo do Açaí

Mais informações: (62) 9952-4565

27.1.05

Nina


Guta Stresser interpreta Nina no filme de Heitor Dhalia

Se o diretor Heitor Dhalia errou em Nina, foi em dizer, ao final do filme, que toda aquela história era uma adaptação livre no romance Crime E Castigo, de Dostoievski. Não que Nina fique devendo (trata-se de um boa película), mas a simples comparação com uma das maiores obras já escritas ofusca os vários méritos do filme.

Alguns dos méritos: a densidade psicológica própria e singular de Nina (que é diferente de Raskolnikov mas, nem por isso, menor), a fotografia belíssima, o figurino, as interpretações, a boa colocação de câmeras, as brincadeiras lúdicas e o roteiro de Marçal Aquino. Pena que seja mais um daqueles bons filmes comerciais do cinema nacional precocemente assassinados pela crítica.

Maio de 68 e a `era dos extremos`

Nada mais irritante do que dizer que a temática do Maio de 68 está esgotada. Pelo contrário. A maioria do que se disse a respeito daquele mês-evento, até hoje, não sai de esteriótipos cínicos ou românticos - extremos que passam longe de algo minimamente calcado na realidade.

Falta discutir a fundo por que as mudanças políticas, artísticas e de costumes caminhavam tão juntas naquela época. Vivia-se o paradoxo de o cinema ser cada vez mais político e da política ser cada vez mais cinematográfica, assumindo um caráter festivo - que acabou conquistando a juventude.

As novas abordagens existencialistas, sociológicas, antropológicas e psicanalíticas que as sociedades - especialmente urbanas - ganharam nos anos 60 ainda são estudadas de forma isolada, sem vinculação com a política. Esquece-se que os mesmos jovens atores da revolução de costumes foram os que tentaram encaminhar a revolução política. Se os anos 60 foram uma década de alteração do paradigma político e de radicais mudanças comportamentais, porque continuar a estudar os dois fenômenos separadamente?

Não faz mal lembrar que a rebelião estudantil de Paris, que culminaria na paralisação do país, começou na Universidade de Nanterre com uma causa comportamental: em março, a reitoria da instituição baixou uma portaria proibindo que os rapazes visitassem mulheres em seus quartos. O reitor Pierre Grappin suspenderia as aulas e chamaria a polícia para "resolver" a situação. A Sorbonne também faria o mesmo, poucos dias depois.

O resto todo mundo já sabe: doze dias depois daquele incidente, Paris estava tomada nas ruas, com operários aderindo à causa estudantil. As reivindicações já assumiam caráter político com teor revolucionário. As pixações nos muros até hoje são lembradas. Em um mês, quase todos os 10 milhões de franceses já estavam em greve, incluindo aeroportos, redações de jornal e hospitais. Abatida com as derrotas sucessivas, a polícia saía da cena pública. No dia 28 de maio, o presidente De Gaulle desaparece do país e os estudantes declaram o que parecia ser uma utopia: a instalação da anarquia.

Depois, como também se sabe, com amplo respaldo dos militares, De Gaulle reaparece e convoca eleições gerais (inclusive para a Presidência). O presidente francês apela para o conservadorismo de cada cidadão e trabalha uma bem bolada campanha do medo contra a "revolução vermelha". De Gaulle, com pesquisas nas mãos, sabia que a maioria dos franceses tinha medo de um governo comunista de verdade. E como os estudantes ainda estavam surpresos com a potência política que a rebelião tinha conquistado, não houve tempo e união para bolar um plano mínimo de conquista do poder. Resultado: De Gaulle vence as eleições presidenciais, amplia sua maioria no parlamento e ganha capital político para reprimir qualquer manifestação popular dali em diante.

Desafio - O maio de 68 foi a mais emblemática das rebeliões do século XX por não ter seguido nenhum modelo específico de transformação da sociedade. Embora houvesse forte citação de ícones como Marx, Marcuse e Mao, a influência era múltipla e, por isso, plural e diluída. O verdadeiro modelo de revolução, acreditava-se, seria construído pelos próprios protagonistas, ou seja, pelo próprio povo.

Curiosamente, entretanto, foi essa não-preparação da revolução que ajudou a tornar a rebelião frágil. O país todo esteve em greve e do lado dos estudantes, mas, em um segundo momento, com a reação do presidente francês, não havia unidade de discurso nem de ação para conseguir barrar o "discurso do medo" bem trabalhado por De Gaulle.

É esse, imagino, um dos grandes entraves da esquerda dita revolucionária hoje: preparar uma teoria e tentar enquadrá-la na realidade (correndo o perigo de se chegar a um stalinismo) ou construir a transformação aos poucos (correndo o perigo da rebelião não se sustentar por falta de unidade).

26.1.05

Os Sonhadores: melhor filme da mostra


Matthew conhece Isabelle logo no início do filme: filme lúdico

A mostra O Amor, a Morte e as Paixões não chegou ao fim, mas dificilmente algum dos 40 filmes da grade de programação conseguirá ser melhor do que Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci.

Bastante lúdico, cheio de citações sem ser pernóstico, Bertolucci faz em Os Sonhadores pequenos diagnósticos do maio de 68 parisiense sem prejudicar a fluência do filme. Mas, antes de espalhar certezas, levanta perguntas. E sugere uma resposta timidamente otimista ao final.

Como já se disse, Os Sonhadores se passa em 1968 em Paris, ano da rebelião estudantil profetizada por Herbert Marcuse. O filme começa mostrando o protesto de estudantes contra a demissão de Henri Langlois (criador da Cinemateca Francesa) pelo ministro da cultura do presidente Charles De Gaulle, o escritor André Malraux. É bom lembrar que a França, neste momento, vivia intensa união entre política e cinema. Um ano antes o cinema-militante de Jean-Luc Godard chegava ao auge com A Chinesa, filme que acabou antecipando de alguma forma a rebelião de 68.

É no meio do protesto da cinemateca que dois irmãos gêmeos franceses Isabelle (Eva Green) e Théo (Louis Garrel) conhecem o americano Matthew (Michael Pitt).

Os gêmeos, ali mesmo, convidam Matthew para um jantar. Depois o convencem para que ele fique uma tempora na casa deles. Matthew topa. O que se passa dentro do apartamento, então, é quase que um mundo paralelo (mas jamais desconexo) da rebelião que acontece nas ruas. A influência de alguns autores e mitos é explicitada com as mil citações do filme. Outras influências, como Lacan, Barthes, Levi-Strauss e Sartre, são facilmente identificadas pelo modelo de educação liberal dos pais dos gêmeos franceses (a cena do cheque deixado pelo pai simboliza bem).

Dentro do apartamento, o tal mundo paralelo dos três jovens é marcado por brincadeiras cinéfilas com doses de erotismo. O limite da liberdade sexual é testado o tempo todo, com desejos incestuosos, inveja, culpa e outras fantasias pautando a mente dos três personagens. Muito interessante notar o papel do americano Matthew. É ele que vai propor uma ruptura conservadora em tudo ali. Propõe uma quebra entre cinema e política, prega menos filosofia, critica o maoísmo mas, em alguns momentos, sucumbe ao desejo dos irmãos franceses.

É justamente o fato de todos os personagens do filme sucumbirem em algum momento que faz com que a construção deles seja bem feita. Não há maniqueísmos. Para usar um conceito psicanalítico em moda na nostálgica Paris dos anos 60, poderia-se dizer que Matthew assume o papel de símbolo da interdição do incesto. É ele que tenta fazer com que os dois irmãos franceses ingressem na sexualidade aceita pela cultura: renunciar ao círculo familiar para, um dia, virem a formar outra família. Resumindo, o americano funcionaria como um princípio fundador da cultura.

É por isso que é irritante ver críticos do filme dizerem que Os Sonhadores não tem nada de político. Há quem embarque em um reducionismo moralista tão grande que só consegue falar das cenas de sexo do filme. A imprensa norte-americana chegou ao absurdo de classificar o filme como "thriller erótico".

A Chinesa - Cheio de homenagens ao cinema, Bertolucci usa A Chinesa e outros filmes de Godard em diversos momentos como parâmetro para sua obra. Enquanto Bertolucci analisa 1968 em 2004, Godard foi falar da mesma época em 1967, um ano antes. E era A Chinesa o filme preferido de dez entre dez militantes políticos parisienses em maio de 68. Para relembrar: em A Chinesa cinco jovens decidem se enfurnar em um apartamento (muito parecido com o de Os Sonhadores) para aprender a "implantar" a revolução socialista na França (o maoísmo é o símbolo político mais presente nos filmes de Bertolucci e Godard; e, no quarto de Theo, em Os Sonhadores, há um cartaz imenso de A Chinesa).

Outro exemplo de homenagem de Bertolucci: a seqüência em que os três protagonistas do filme repetem a corrida de Anna Karina, Sami Frey e Claude Brasseur pelo Louvre é uma homenagem plasticamente muito bonita a Bande À Part (filme de 1964 nunca exibido no Brasil), do mesmo Godard. O último tango em Paris, do próprio Bertolucci, também é uma referência.

A forma como os personagens se relacionam no apartamento é também uma referência (ou uma continuidade) de Bertolucci a seus próprios filmes. Les Enfants Terribles do artista-militante multimídia Jean Cocteau está também ali presente. Susan Sontag e Georges Bataille também são citados.

O que interessa é que o diretor propõe uma nova abordagem do maio de 68. Não só enfatizando a revolução de costumes, que foi acelerada ali. As questões da revolução política pequeno-burguesa que quase aconteceu também são expostos. O sangue no rosto de Isabelle é talvez o momento que melhor exemplifica essa recusa de Bertolucci em dissociar política e comportamento.

Mas Bertolucci tem os pés no chão. Conversa com 1968 sem se esquecer de que o filme será visto por telespectadores de 2004/2005. Complementa A Chinesa, sim, mas não perde a noção histórica de que é um filme que analisa 1968 em retrospectiva. Nesse ponto cresce a importância de Matthew. É dele a tarefa de não deixar que Os Sonhadores vire um filme-panfleto. Bertolucci usa o personagem americano para lembrar os revolucionários sobreviventes de hoje que colocar o maio de 68 no pedestal romântico só atrasa ainda mais a revolução que eles esperam (se é que algum dia ela acontecerá).

É Matthew também o elemento-chave para estabelecer uma crítica mútua e bem humorada entre europeus e americanos. Isso fica claro na cena do café da manhã, quando Matthew interrompe o excesso de filosofia do pai (escritor francês) para partir para um outro excesso: de futilidades.

O diretor italiano nos expõe um conflito político amplo. Sugiro uma pergunta das milhares que podem sair do filme: Maio de 68 teria formado uma geração criadora de valores ou mera reprodutora deles? É esse um dos debates interditados dos anos 60 que, agora, Bertolucci retoma.

Nove motivos para ir ver Bertolucci


Bertolucci homenageia o cinema em Os Sonhadores. Sem cansar o espectador

Por que Os Sonhadores merece ser visto?

- Tem beleza plástica sem prejudicar a fluência da história
- Discute os três maiores prazeres da vida (política, artes e sexo) sem isolá-los
- Não tem medo de enfrentar tabus
- Aborda, com humor fino, diferenças entre culturas
- Fala do maio de 68 sem cair no discurso panfletário ou cínico
- Recusa qualquer tipo de maniqueísmo
- A trilha sonora rompe com as expectativas da platéia
- A forma como a câmera capta os personagens surpreende
- Trabalha muito bem a colagem de texto e imagem

Livro pioneiro sobre Maio de 68

A coleção Baderna, da editora Conrad, disponibiliza gratuitamente alguns de seus livros na internet. Um deles é Paris: Maio de 68, um diário feito no calor dos acontecimentos pelo grupo Solidarity, uma organização inglesa de linhagem marxista heteredoxa. O livro é um documento raro e merece ser lido. Foi o primeiro a ser lançado sobre a rebelião estudantil que entraria para a história.

Quem quiser fazer o download do livro deve clicar no link abaixo:

http://www.baderna.org/pdf/ler.asp?id=47374

* Cultura inútil: a palavra "baderna" nasceu depois da visita ao Brasil da bailarina italiana Marietta Baderna. Ela passou pelo Rio de Janeiro em 1850 e deixou fãs para sempre.

25.1.05

Conto de Outono



Se em Conto de Verão a densidade interior dos jovens era explorada, em Conto de Outono é a vez da maturidade ser abordada. Isabelle, uma loira alta de olhos azuis, decide arrumar um marido para sua amiga Magali, uma morena viúva de 45 anos que vive isolada no campo produzindo vinho. Quem também tenta arrumar um marido para Magali é a jovem estudante Rosine (que não tem sua densidade interior explorada).

O enredo, simples, morre aí. Mas a beleza do filme está na direção e no roteiro minucioso do francês Eric Rohmer, que consegue arrancar sutileza mesmo com o fetiche da objetividade não saindo da sua cabeça. O filme, de 1998, ainda permanece inédito em boa parte do Brasil, apesar de vencer do prêmio principal de Veneza.

Quando filmou Conto de Outono (último filme da seqüência das quatros estações), Rohmer tinha 78 anos, provando que sua vitalidade dos anos 60 só se aprimorou com o tempo. Assim como outro ícone dos anos 60, o italiano Bernardo Bertolucci, que tem nesta mostra também sua obra-prima: Os Sonhadores.

O que os une no cinema, ainda hoje, é o otimismo em relação ao mundo e a paixão pelo lúdico; o que os separa é a visão ideológica, desvelada no cinema de ambos (Rohmer à direita, como fica claro em A Inglesa e o Duque, e Bertolucci à esquerda, como está evidente em Os Sonhadores).

O Desprezo


Brigitte Bardot e Jean-Luc Godard filmaram O Desprezo em 1963

O Desprezo, de 1963, não foi um filme qualquer. Foi - e ainda é - a rara chance de ver um Jean-Luc Godard linear, com início, meio e fim. Não é qualquer dia que se tem Godard na direção e Brigitte Bardot no elenco. Muito menos com ambos no auge.

O filme começa com Godard apresentando, de viva voz, os créditos da película, ao mesmo em que um filme sendo rodado nos introduz ao universo de O Desprezo.

Foi nos anos 60 que o cinema descobriu sua modernidade. Pela primeira vez cinéfilos competentes assumiram a direção dos filmes e, com isso, passaram a usar e abusar da metalinguagem - para o bem do cinema. Um filme era, antes de tudo, também uma oportunidade para discutir cinema. Era a Nouvelle Vague.

O Desprezo critica com ferocidade o modo de fazer cinema em Hollywood e rompe com expectativas do público. Não era pouca coisa para 1963. E Brigitte Bardot? Ela, no filme, aparece nua algumas vezes (sempre deitada de costas) e interpreta uma datilógrafa entediada com o marido (Michel Picoli), um escritor bem sucedido que tem dúvidas se topa ou não fazer um roteiro exótico com base na Odisséia, de Homero.

Um personagem, no filme, é imperdível: o produtor do "filme dentro do filme" Jerry Prokosch ( interpretado por Jack Palance). Prokosch é a caricatura em pessoa. Há exagero também, proposital, no uso de travellings. Explora-se bastante, também, as possibilidades da tela larga do cinemascope. Outro exagero é tédio de Bardot, a ponto de deixar a platéia irritada com a situação e, principalmente, com os diálogos intermináveis travados dentro do apartamento.

A propósito das cenas de tédio com Brigitte Bardot, a própria atriz escreveu sobre como foi filmar com Godard em seu livro de memórias publicado em 1997 (Iniciais BB - Memórias, 602 págs, R$ 48, Editora Scipione).

Veja o que Brigitte Bardot diz a respeito de Godard:
"No início de 1963 conheci Jean-Luc Godard e seu chapéu, que não saía de sua cabeça em nenhum momento. Era o oposto de todo o meu mundo, de todas as minhas idéias. Não trocamos três palavras, ele me deixava petrificada. E eu devia deixá-lo aterrorizado. Hesitei muito em fazer O Desprezo. Aquele gênero de intelectual, de maluco e de esquerdista me deixava de cabelos em pé! Ele era a figura de proa da nouvelle vague e eu era a estrela clássica por excelência"

Godard respondeu, no mesmo ano, às críticas de Bardot. Confira:
"Não, não leio coisas desse tipo [perguntado se tinha lido sobre o livro de Bardot]. Sobretudo agora, depois das declarações dela. Antes, eu a achava até simpática, com seus bichos. Na época de "O Desprezo", nós nos demos muito bem, não houve nenhuma rixa, era muito agradável. O que ela escreve hoje é problema dela. Mas ler as lembranças de Bardot, isso não! Se fosse assim, eu preferiria ler as de Nadine de Rothschild. Prefiro ler as memórias de Jean-François Revel. Ou o último John Le Carré - isso satisfaria meu gosto pelos agentes duplos. Sempre me senti um agente duplo. A gente não vem da Terra, mas, mesmo assim, está nela"

Araguaya - A Conspiração do Silêncio

Infelizmente, o engajamento parece ridículo - e não político - em Araguaya - A Conspiração do Silêncio, de Ronaldo Duque. O longa metragem de ficção, que aborda a Guerrilha do Araguaia, se perde no excesso de maniqueísmo e nas abundantes tentativas poéticas de mau-gosto.

Militares, no filme, são apresentados como palhaços, o que faz parecer que os guerrilheiros políticos ali estavam em uma guerrilha de brincadeira. O excesso de slow-motion, em vez de dar um ar heróico aos guerrilheiros, como se pretendia, faz tudo virar ficção demais, sem limites.

Padre Chico, o personagem-narrador, não tem densidade nenhuma e nem de longe lembra o verdadeiro padre francês que chegou ao Araguaia nos anos 60.

Contra a Parede



O diretor Fatih Akin, de fato, surpreende com Contra a Parede. O filme trata de uma mulher turca que arruma um casamento de conveniência com um homem turco para se livrar da repressão familiar.

Ele e ela (Birol Ünel e Sibel Kekilli) se encontram logo no início do filme, em um hospital, com ambos se recuperando de uma tentativa frustrada de suicídio. Apesar da temática parecer depressiva, nem mesmo os suicídios são abordados sob a ótica da vitimização, como é comum em Hollywood.

E os conflitos do "casal pró-forma" acabam sendo bem explorados, incluindo o problema da imigração na Alemanha. É o tipo de filme que agrada, de uma só vez, crítica e grande público.

Ser e Ter



O diretor Nicolas Philibert não esconde o seu saudosismo ao filmar o documentário Ser e Ter. Escancara um modelo de educação, professor e escola em extinção. E idealiza esse modelo. Na escola rural de Auvergne, sudeste da França, o professor pode tudo. Ensina a ler, cozinhar e viver. Carrega doses de autoritarismo e carinho. É um quase pai.

Philibert procura objetividade. Tenta se passar por invisível durante todo o filme, dentro ou fora da sala de aula. Com a única exceção do momento em que o professor Lopez é entrevistado. Philibert não é Spielberg, mas sabe que criança, ainda que deixada a esmo na frente da câmara, sempre é sinal de empatia imediata. A mesma empatia é conquistada pelo professor do filme. Não é de hoje que o estilo "ditador bonzinho" de ensinar é visto com apreço e certa nostalgia pela sociedade daqui, da França, do Japão ou da Lua.

Mas sucesso de Ser e Ter, visto por quase 2 milhões de pessoas só na França, acabou criando um paradoxo. Alunos, pais de alunos e o próprio professor do filme, Lopez, entraram estão na Justiça pedindo indenização e salários por terem participado do documentário - algo que, de início, não havia sido combinado. O professor chega até a reclamar co-autoria do filme. O romantismo, como se vê, mais uma vez é autêntico como uma nota de 3 francos.

Quase dois irmãos: sociologia barata

A idéia é muito boa: dissecar como foi, nos anos 60 e 70 da ditadura, o encontro entre presos políticos e prisioneiros comuns nas penitenciárias brasileiras. O resultado, entretanto, de Quase Dois Irmãos, filme de Lúcia Murat, é sofrível: os preconceitos abundam, o maniqueísmo é escancarado e originalidade não há.

O filme consegue ir bem no paralelo de três tempos narrativos que faz: anos 50, anos 70 e hoje. A história, no entanto, se passa quase toda na prisão e dois presos simbolizam a dicotomia proposta no argumento. Miguel (Caco Ciocler) é um preso político por fazer oposição à ditadura. Jorge (Flávio Bauraqui) é detento comum, preso por assalto a banco.

A forma como os dois personagens - e seus grupos - são construídos é de um primarismo imperdoável. Os presos políticos aparecem como seres castos, que detestam maconha e são quase santos. São também brancos, se vestem bem e nutrem afeição por animais (a história do gato morto pelos presos políticos simboliza bem o maniqueísmo da diretora - que, por sinal, foi também presa política). Os presos comuns são irracionais, se vestem mal, são todos negros, detestam animais e pregam a selvageria na prisão.

Com tal visão maniqueísta imposta, não haveria como se fazer algo bom. O roteiro tem ainda forte colaboração de Paulo Lins - principalmente nas cenas das favelas do Rio de Janeiro - o que faz o filme parecer um Cidade de Deus 2 em vários momentos.

A lógica é tentar nos convencer que os presos políticos dos anos 70, por algum motivo não-explicado no filme, assumiram hoje o poder político no país. Já os presos comuns da mesma época, também por algum motivo inexplicável, comandam hoje o poder paralelo, dominado pelo tráfico de drogas.

A diretora, que já havia escorregado em filmes como Doces Poderes, se sai ainda pior com Quase Dois Irmãos. Propõe descobrir causas, mas não consegue fugir de seus próprios preconceitos.

19.1.05

Pequeno guia da mostra


Primavera, Verão, Outono, Inverno: filme coreano é destaque

Começa hoje a quarta edição da mostra O Amor, a Morte e as Paixões, no Cine Lumière (Shopping Bougainville). Ao todo, 40 filmes, 36 deles representantes do cinema contemporâneo de ponta‚ serão exibidos em Goiânia durante os 12 dias do evento.

22 países estão representados na mostra, 12 deles participando de co-produções. No mapa geográfico, a Europa é quem mais emplacou películas na mostra (17), seguido de perto pela América do Sul (7).

Preparei um pequeno guia de orientação da mostra, ciente de que é impossível que alguém veja todos os filmes. Espero que este guia ajude algum leitor deste blog.

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Os Sonhadores se passa em maio de 1968, em Paris

Cinema Diferente
Se você quer ver o que há de diferente na linguagem cinematográfica, não deixe de assistir aos seguintes filmes.

Conto de Outono (França)
O Demônio das Onze Horas (França)
O Desprezo (França e Itália)
Dez (Irã e França)
Nossa Música (França)
Os Sonhadores (França, Itália e EUA)
Plataforma (China, Japão, França e Hong Kong)
Primavera, Verão, Outono e Inverno (Coréia do Sul)
Queimando ao Vento (Itália e Suíça)
Sob o Céu do Líbano (Líbano e França)
A Vida é um Milagre (Bósnia e França)
Viagem do Coração (Líbano)


Cinemão
Se você gosta do bom e velho cinema convencional (mas com qualidade), assista:

Uma Amizade sem Fronteiras (França)
Araguaya - A Conspiração do Silêncio (Brasil)
Casa de Areia e Névoa (EUA)
Cleópatra (Argentina)
Contra a Parede (Alemanha e Turquia)
Contra Todos (Brasil)
Crimes em Wonderland (EUA)
Os Educadores (Alemanha)
A Janela da Frente (Itália, Turquia, Inglaterra e Portugal)
Jornada da Alma (França, Itália e Inglaterra)
Não se Mova (Itália)
Narradores de Javé (Brasil)
Nina (Brasil)
O Pântano (Argentina)
Para Sempre Lilya (Suécia e Dinamarca)
Quase Dois Irmãos (Brasil)
Questão de Imagem (França)
Reencarnação (EUA)
Sideways (EUA)
Spartan (EUA)
Violação de Privacidade (Canadá)
Whisky (Uruguai)


Documentários
Foi-se o tempo em que documentário era um gênero que afastava o público. Abaixo, a lista dos cinco filmes representantes. Um deles é curta-metragem: Imagens das Cidades dos Homens.

Entreatos (Brasil)
Peões (Brasil)
Imagens das Cidades dos Homens (Brasil)
Super Size Me (EUA)
Ser e Ter (França)


Grade de Programação
Não pegou seu folder com a grade de programação?
Veja aqui dois sítios na internet que fornecem a grade.
Grade total
Grade separada por salas 1 e 2



Debates
O diferencial de Goiânia em relação às mostras realizadas pelo país são os debates. Desde a primeira mostra, eles são a atração principal do evento. A seguir, links para quem quiser ler entrevistas com quatro dos debatedores de 2005:

Ismail Xavier
Jean-Claude Bernardet
Rubens Machado
Inácio Araújo


Guta Stresser é a protagonista de Nina, filme de
Heitor Dhalia que mostra o lado desumano de SP

Mapa geográfico

País de origem dos 40 filmes
Brasil - 8
EUA - 6
França - 5
Argentina - 2
Uruguai - 1
Itália - 1
Canadá - 1
Líbano - 1
Alemanha - 1
Coréia do Sul - 1
Co-produções com hegemonia européia - 10
Co-produções com hegemonia asiática - 3

Parceiros
22 países estão representados na mostra, mas 12 deles só entram como participantes de co-produções. São eles:
China
Japão
Bósnia
Hong Kong
Irã
Turquia
Suécia
Dinamarca
Suíça
Espanha
Inglaterra
Portugal

O mapa continental
Europa: 17
América do Sul: 11
América do Norte: 7
Ásia: 5


Os preferidos do umbigo
A seguir, minha lista particular de prioridades para a mostra

1) Os Sonhadores
2) Entreatos
3) Os filmes de Godard (O Desprezo, O Demônio das Onze Horas e Nossa Música)
4) Queimando ao Vento
5) Peões
6) Jornada da Alma
7) Os Educadores
8) Plataforma
9) Cleópatra
10) Super Size Me
11) Dez
12) Conto de Outono


Exibição Única
Alguns filmes só vão passar uma única vez na mostra. Isso acontece por exigência da distribuidora ou, no caso de alguns filmes brasileiros, a pedido do diretor.

1) O Pântano
2) Sideways
3) Araguaya - A Conspiração do Silêncio
4) Narradores de Javé


A atriz Brigite Bardot, no auge da carreira, em 1963:
chance última de ver em película O Desprezo de Godard

Dicas

Não se afobe
Se você for do tipo que pretende ver o maior número de filmes possível, dê preferência para aqueles que não devem entrar no circuito normal depois da mostra. Alguns deles: Dez, O Dezprezo, O Demônio das Onze Horas, Conto de Outono e Plataforma. Já outros filmes devem certamente entrar em cartaz no circuito comercial ainda este ano. Exemplos? Sideways, Spartan e Reencarnação.

Planeje
Preste atenção na duração dos filmes e no ritmo deles. Se você pretende assistir a 4 ou 5 filmes em um mesmo dia, não escolha filmes parecidos, pois pode ser cansativo. Procure a alternância, quando possível, entre um filme leve e um mais pesado. Se quiser aproveitar bem a mostra, rabisque desde já seu folder com os filmes que pretende assistir ou imprima uma programação só com os filmes que vai assistir.


Serviço
IV Mostra O Amor, a Morte e as Paixões

Local: Cine Lumière - Shopping Bougainville
Total de filmes: 40
Total de Sessões: 114
Data: 19/01 a 30/01 de 2005
Debates: sempre às 20h, debatendo o filme das 18h
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia-entrada)

Curador: Lisandro Nogueira (UFG - Cineclube Antônio das Mortes)
Realização da mostra: Cine Lumière, Organização Jaime Câmara e Sindicato dos Professores (Sinpro)
Promoção: Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sintego) e Associação dos Docentes da Universidade Federal de Goiás (Adufg)
Apoio Cultural: Secretaria de Indústria e Comércio, Celg e Sebrae
Mais informações: 242-2480 e 9973-3304

17.1.05

Biografia de Kerouac

Já que se falou de Jack Kerouac no post anterior, é bom lembrar que sua biografia chega às livrarias de Goiânia nesta semana.

Jack Kerouac – O Rei dos Beatniks é de autoria do paulistano Antônio Bivar, um dos integrantes da Virginia Woolf Society of Great Britain. É conhecido por muitos como o autor de O que é punk, da famosa coleção Primeiros Passos.

Serviço
Livro
Jack Kerouac – O Rei dos Beatniks
1ª Edição - 2005
128 páginas

R$ 14,80

14.1.05

Para sair de casa


O livro-símbolo da geração beat explicaria o 'sorriso de beatitude' do jornal?

On the Road (Pé na Estrada), de Jack Kerouac, é um dos livros mais importantes do século 20. Menos do ponto de vista literário e mais do ponto de vista político-cultural. Embora também representasse um novo estilo de escrita, influenciou decisivamente movimentos de vanguarda, rock, artes plásticas, hippies, punks e milhares de mudanças comportamentais a partir de 1957, quando foi lançado.

Kerouac, autor do livro, era um dos expoentes da chamada Geração Beat, formada por pensadores norte-americanos rebeldes entediados com o pós-guerra. Na base de música, drogas e sexo, tentaram mudar a sociedade através da literatura. Além de Kerouac, foram importantes William Burroughs, Allen Ginsberg, Neal Cassady, Gregory Corso, Gary Snyder. Destes cinco citados, os três primeiros são, por meio de pseudônimos, personagens de On the Road.

Por que o nome beat? Kerouac sempre disse que a origem do termo era, de propósito, uma abreviação de beatitude. No mesmo ano de 1957, somando o radical beat com o sufixo de Sputnik (satélite comunista), surge a palavra beatnik, usada para designar os seguidores do movimento.

Em resumo, para não contar demais, On the Road narra a viagem sem fim de dois amigos pelas estradas dos EUA. Para quem não leu, é bom sempre ressaltar com exemplos que a influência de On the Road superou fronteiras, ambientes e gerações.

Jim Morrison fundou o The Doors após ler o livro. Francis Ford Coppola ainda diz que vai produzir, com Gus Van Sant dirigindo e o ator Johnny Depp sendo protagonista, um filme sobre o livro.

Os músicos Bob Dylan, Chrissie Hynde (dos Pretenders) e os cineastas Hector Babenco e Gus Van Sant disseram que só tomaram coragem de fugir de casa depois de ler On the Road.

Conheço também pelo menos duas pessoas que foram fortemente influenciadas pelo livro. Uma delas pediu demissão no confortável emprego que tinha, em 2001, para sair dirigindo pelas estradas do mundo. Já um grande amigo só tomou coragem de sair de casa depois de ler o livro. Não é por outro motivo que a obra de Kerouac ocupa lugar de destaque no apartamento dele.

Este mesmo amigo, que fugiu de casa na pós-leitura de On the Road, certa vez debochou bastante de uma matéria que fiz. Explico: trabalhando em um jornal diário, escrevi que um certo político "estava com um sorriso de beatitude no rosto". Sinceramente, nunca consegui explicar onde estava com a cabeça quando grafei a palavra "beatitude". Foram anos e anos de dúvida.

Agora, relendo On the Road, direi a ele que, naquele fim de semana, anos atrás, quando viajei para fazer a matéria, estava acompanhado de On the Road nas horas vagas. Beatitude viria de beat. Pronto. Além da explicação para o enigma, arrumei mais um exemplo de alguém influenciado pelo livro. Fazer o quê? Alguns mudam de casa, outros cometem barbaridades no jornal.