Descaminho

27.1.05

Nina


Guta Stresser interpreta Nina no filme de Heitor Dhalia

Se o diretor Heitor Dhalia errou em Nina, foi em dizer, ao final do filme, que toda aquela história era uma adaptação livre no romance Crime E Castigo, de Dostoievski. Não que Nina fique devendo (trata-se de um boa película), mas a simples comparação com uma das maiores obras já escritas ofusca os vários méritos do filme.

Alguns dos méritos: a densidade psicológica própria e singular de Nina (que é diferente de Raskolnikov mas, nem por isso, menor), a fotografia belíssima, o figurino, as interpretações, a boa colocação de câmeras, as brincadeiras lúdicas e o roteiro de Marçal Aquino. Pena que seja mais um daqueles bons filmes comerciais do cinema nacional precocemente assassinados pela crítica.

2 Comments:

Blogger P.F. said...

Hummm... agora estou realmente convencida de que você acertou em pensar que eu gostaria do filme. Raskolnikov é o meu segundo personagem favorito. Só perde mesmo para o Julien Sorel.

5:11 PM  
Anonymous Anônimo said...

Difícil o exercício de tradução. Mais arriscado quando são meios diferentes. Do livro a um roteiro de imagens. O problema: tradução. Esse filme "Nina", não pretendo assisti-lo. Os indícios são tenebrosos. Uso de um romance dito clássico. Mas substituíram o personagem homem por uma mulher. Fico a imaginar o motivo de tamanho desvio, quando se vende o filme como adaptação ou "inspirado em", ou o que seja. Tiraram o nome Raskolnikov, cuja raiz "raskolnik" significa dissidente. Referência aos revolucionários russos de meados do século XIX. O personagem é um assassino filosófico que mata para provar sua tese opondo seres humanos "ordinários" e "extraordinários". O crime com uma razão filosófica por trás. É complicado imaginar o que o roteirista Marçal Aquino, um escritor medíocre (no sentido de média, mídia), fez com essa concepção do romance original. Ao que tudo indica, a tradução ficou no crime da velhinha. O resto deve ter se perdido. Tradutor do universo de Dostoiévski na cultura brasileira foi Graciliano Ramos. Digeriu e escreveu o romance "Angústia". O personagem Luís da Silva desce aos infernos, e Graciliano soube transpor toda a desintegração humana do homem do subsolo para o Brasil. Isso é tradução cultural. Idéias que surgem no momento que aparece um outro Luiz de Silva, personagem do filme "Entreatos", que se apresentou aos brasileiros como a sua mais perfeita tradução. Como representar esta figura num filme de duas horas e pouco? João Moreira Salles desafia os obstáculos da tradução, vai, volta, olha de novo, e entrega uma representação de Lula ao público. O antigo metalúrgico traduzido pelo marketing e que sai vitorioso na campanha presidencial. João Moreira Salles problematiza ao expor a figura humana e as estratégias do marketing desfigurador. Já o tal Heitor Dahlia dissimula o marketing ao traduzir "Crime e castigo" em "Nina". Nos tempos de Brecht, o diretor e o roteirista seriam vistos como "naturalizadores" do mundo. Maus tradutores.
Miguelim.

12:26 PM  

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