Descaminho

30.9.04

`Independência deixou de ser ideológica`



Leandra Leal é, na minha opinião, uma das melhores atrizes que o cinema brasileiro revelou nos últimos dez anos. Pena que ainda não foi devidamente aproveitada. A seguir, trechos da entrevista que ela concedeu à revista Caros Amigos, publicada só no site.

"Sou uma pessoa angustiada. Vivo querendo saber mais. Morro de medo de ficar burra"

"Muitas vezes a independência se torna o único meio viável de você fazer a sua arte. O Racionais vende um milhão e ganha muito mais dinheiro do que o cara que vende um milhão na gravadora porque é um milhão dele e não zero vírgula não sei quantos por cento. A independência deixou de ser ideológica, é uma forma viável, concreta e inserida no mercado"

"Gostaria de ser otimista, mas o que vimos no cinema brasileiro é o boom da televisão no cinema"

"Sou otimista ainda, mas se o Lula nos decepcionar de vez, acho que o povo vai se despolitizar completamente. E ele fez uma campanha muito perigosa, mexeu com a auto-estima. E a auto-estima é uma coisa que faz milagres e merdas!"

Alguns filmes com ela: A Ostra e o Vento, O Homem que copiava e Cazuza


29.9.04

O que é arte?

"Há alguns anos o italiano Manzoni botou cocô dentro de umas latinhas e vendeu para os museus. Recentemente a polêmica Tate Galery, em Londres, pagou 30 mil dólares por uma latinha dessas. Duchamp masturbou-se e o esperma caiu numa chinela, passando a ser obra de arte. E assim por diante. Então, de transgressão em transgressão, é legitimo raciocinar sobre o caso do criminoso. Há limites? Quais? Quando? Quem decide? E se não há como o sistema pode viver sem cair no caos e na anomia total?" - Affonso Romano de Sant’anna

Supremacia do quê?


O filme de estréia fugiu do clichê. O segundo, não

Em relação ao filme anterior (A Identidade Bourne), A Supremacia Bourne decepciona. O primeiro era um filme de ação minimamente inteligente (dirigido por Doug Liman) e, este, não passa de mais um filminho de ação (dirigido por Paul Greengrass). Sem um motivo justo, abusa da mão rápida na câmera e não tem sutilezas. Ah, também provoca tonturas, mas por motivos errados.

25.9.04

Surplus

A TBC-Cultura reprisa hoje, às 19h30, o filme Surplus, do diretor Erik Gandini, vencedor do último Festival Internacional de Cinema Ambiental (Fica). Foi feito na linguagem de videoclipe e critica o consumismo da sociedade moderna.

Pour Elise, Techno e Manson



Em janeiro deste ano participei de um debate sobre o filme Elefante, que entrou em cartaz no circuito comercial ontem em Goiânia.

À época, refém das versões dos jornais e da polícia norte-americana, eu levantei uma polêmica sobre o fato de o diretor Gus Van Sant ter mudado o gosto musical real da dupla de assassinos (Marilyn Manson) por um gosto imaginário (Beethoven). Não que a música de Manson seja ruim. A dúvida é se aquilo não tornaria suave demais a imagem dos assassinos, especialmente pela cena em que Eric toca Pour Elise por vários minutos.

Mesmo correndo o risco de criar uma polêmica típica de stalinistas, fiz a provocação. Bom, três meses depois (em 20 de abril deste ano), a revista Slate publicou um relatório final do FBI que derrubou alguns dos mitos criados ou reproduzidos no mundo todo.

O primeiro dos mitos derrubados é que eles não gostavam de Marilyn Manson. Eles o "odiavam" e apreciavam, segundo palavras textuais do relatório do FBI, "techno, tipo Prodigy, Orbital"
Eles também não eram "loosers" - participavam de baladas com os amigos todo fim de semana.

A seguir, alguns detalhes do filme... (preferi fragmentar o texto para faciliar a leitura aqui no blog - e para não virar um imenso tijolo)


Fatos reais

Duas versões para o nome do filme: a primeira é que vem de uma lenda indiana em que três cegos examinaram um elefante e tiveram de descrevê-lo. Um apalpou a calda, outro as trombas e o último apalpou as pernas. Cada um descreveu uma coisa diferente. Ninguém teve a visão do todo. É um filme de várias visões parciais, sem ninguém tendo uma visão sobre o todo

Outra explicação é que as circunstâncias de um evento são tão fáceis de ignorar quanto um elefante no meio de uma sala de estar

O diretor tentou reconstituir ao máximo o que aconteceu em Columbine no dia 20 de abril de 1999. O boné pra trás, as roupas usadas, os desenhos feitos, a disposição do quarto dele, o jogo Doom...

O massacre foi realizado no dia do aniversário de 110 anos de Hitler e a senha deles para acesso ao e-mail da American On-line era a data original em que Hitler nasceu (200989)

O curioso é um detalhe da carta que Eric deixa em casa, antes de partir: “planned to escape the United States and go live on an island or to hijack an airplane and crash it into the heart of New York City”. O relatório do FBI depois confirmou que as palavras eram autênticas

A cena da batida do carro no início do filme é recorrente nos filmes de Van Sant. Em Drugstore Cowboys há uma 'quase' batida

Um dos melhores momentos do filme é aquele em que se discute a possibilidade de reconhecer gays nas ruas. A câmara filma uma pessoa de cada vez. Para mostrar que, em um debate, todo mundo quer falar. Mas ninguém quer ouvir. É como a mania dos blogs: hoje o Brasil já tem 800 mil blogs para apenas 3 milhões de leitores. Caminhamos, quase, para uma comunicação unilateral (sim, rolou uma auto-crítica aqui)

Na linha do biografismo

O John é exageradamente loiro — até assusta. E o diretor do filme é dono de uma banda metal chamada Kill All Blondies

O diretor vive comercialmente também de criar jogos de videogame violentos

Por falar em games, já ouviu falar de Counter-strike? Veja o filme e jogue o jogo. Dá no mesmo

O diretor, perguntado sobre o porquê dos estudantes não matavam colegas nos anos 60, respondeu que os anos 60 eram piores porque eram os policiais dos EUA que matavam estudantes de 16 anos


Estrutura

Os diálogos são improvisados. O roteiro é improvisado. Pelo menos é o que diz o diretor...

É um filme que busca o neo-realismo italiano, já que os atores foram buscados nas próprias comunidades onde vivem

Só que, junto com a encenação naturalista, há uma construção narrativa fragmentária

Seria uma espécie de Cidade de Deus em slow-motion? Narrativa fragmentária, atores buscados na comunidade onde vivem, grande tragédia...

Os primeiros nomes dos personagens são os mesmos dos atores que integram o filme

Segundo o diretor, é melhor trabalhar com não-atores porque eles, não-atores, não estão viciados em dramatizar tudo, em transformar tudo em melodrama

O diretor é reconhecido por sabe filmar os jovens deturpando o mínimo possível o universo deles. Usa uma linguagem de documentário

Em nenhum momento a narrativa se afasta do ponto de vista dos adolescentes. Adultos são raros e, quando mostrados, são sob a ótica dos adolescentes.

O diretor garante não ter usado luzes. É filmado sem luzes. Fotografia limpa. Feita de manhã, para dar mais qualidade.

Quando sai de um ambiente escuro para um claro e de um claro para escuro, o diretor pára e recomeça a gravação rapidamente, sem nem que o espectador perceba.

O céu, em outros filmes, muitas vezes funciona como um ponto morto no roteiro.

Em Elefante, as nuvens parecem clichês — e de, fato, tem algo mais batido do que colocar um tempo nublado para avisar que algo de ruim vai acontecer?

Talvez, mais do que metáfora, o céu é o único demarcador de tempo do filme. O espaço de tempo do filme é curto. É apenas mostrado sob vários pontos de vista. E as nuvens anunciam o que está por vir

Gus Van Sant tem uma obsessão com o céu e com as nuvens — desde o primeiro filme Drugstore Cowboys (de 1989) ou Garotos de programa (de 1991)

Observe: sempre há câmera-lenta nos momentos de intersecção dos pontos de vista

O filme parece durar mais do que 80 minutos, principalmente para o olhar acostumado com o padrão americano de cenas rápidas

É interessante porque mantém a expectativa da platéia sob controle, sem buscar uma catarse, uma excitação violenta, que é o que todos esperam

Mas a platéia, geralmente, fica tensa pois sabe que a qualquer momento o tiroteio pode começar. O tempo é fluido, o único aviso são as nuvens no céu

O diretor sugere que não há uma idéia coerente do que levou eles a cometerem aquela tragédia

O filme é minimalista. Mas não é simplista: não é fácil ali ver razões ou explicações para tudo aquilo


Influência de Kubrick

Quando Stanley Kubrick fez filme 2001 – uma odisséia no espaço, Kubrick disse que se inspirava no cinema russo.

Quando Gus Van Sant fez Elefante, ele diz que se inspirou no cinema húngaro.
Ele filma no formato 1:33-por-1, que é o preferido de Kubrick.

Alex também é o nome do anti-herói do filme Laranja mecânica, do Kubrick. Também Alex é o nome do assassino do massacre de verdade.

O Grande Golpe (The Killing, EUA, 1956), de Kubrick, mostra mesmas cenas sob pontos de vista diferentes. E, em O Grande Golpe, há um tiroteio em que muitos morrem.

Outra semelhança com o Grande Golpe é que Kubrick permite que haja muito espaço ‘vazio’ em torno dos seus personagens.

Em O Iluminado (The Shining, 1980), há um homem que atravessa um local de alto perigo sem ter medo da morte e é assassinado brutalmente. Explicaria um pouco do porquê Gus Van Sant colocar o Benny (negro de camisa amarela) ali naquela situação?

Kubrick dizia que o importante de um filme não era seu desfecho, mas sim seu ‘ritual’ e seu ‘ritmo’. “Um filme bom pode até não ter roteiro, mas precisa de um ritual”, dizia ele. Esse filme não tem roteiro. Tem um ritual?

Ok, Gus Van Sant não é Stanley Kubrick. Eu também sei disso.

24.9.04

Relógio-cuco

Encontrei um caderno especial que a Folha publicou em 1995, em comemoração aos 100 anos do cinema. Tem uma parte muito divertida com as melhores frases já ditas em filmes. Eis algumas:

- Na Itália, por 30 anos sob os Bórgia, eles tiveram guerra, terror, assassinatos e massacres. Eles produziram Michelangelo, Leonardo da Vinci e a Renascença. Na Suíça, eles tiveram amor fraternal, 500 anos de democracia e paz, e o que eles produziram? O relógio-cuco.
Orson Welles para Joseph Cotten, em "O Terceiro Homem" (1949)

- Você me despreza, não é ?
- Se eu pensasse em você, provavelmente desprezaria.
Peter Lorre e Humphrey Bogart, em "Casablanca" (1942)

- A próxima mulher que sair comigo, vai acender como um fliperama!
Jack Nicholson para os dementes, após uma sessão de choques, em "Um Estranho no Ninho" (1975)

- Isto é um revolver no seu bolso ou você está contente por me ver?
Mae West para Charles Osgood, em "Uma loira para três" (1933)

Kill Bill 2 estréia dia 8


Algumas continuações aguardadas no cinema...

Kill Bill: Volume 2
Parte final da vingança da noiva.
Estréia: 08 de Outubro de 2004

O Chamado 2
Uma semana depois de assistir à fita, Rachel descobre que seu filho começa a demonstrar os mesmos sintomas da garota da fita, se tornando uma ameaça.
Estréia: 15 de Abril de 2005

Visão romântica


À esquerda, a atriz Michelle Valle

Estréia hoje em Goiânia Garotas do ABC. Vi o filme no último Festival de Brasília, quando Carlos Reichenbach (o diretor do filme) se enfezou com o júri de premiação (disse “que cacete” ao receber um irônico prêmio por melhor argumento). Reichenbach tem visão romântica do mundo e seu melhor filme é Alma Corsária. É crítico do cinema brasileiro da retomada: "Fiz um filme violento sobre violência, mas não há um só fotograma com criança de arma na mão", disse em Brasília. O filme Garotas do ABC discorre sobre o cotidiano de operárias brasileiras do ABC paulista, com ênfase na sensibilidade de cada personagem. A novata Michelle Valle protagonizou Aurélia, uma tecelã negra que é fã Arnold Schwarzenegger (só vendo o filme para entender isso). Participam Selton Mello, Antônio Pitanga, Milhem Cortaz, Adriano Stuart e Vera Mancini, esta última fazendo o papel de uma senhora alcoólatra sem rumo na vida, talvez a grande personagem da história. Apesar do populismo barato em alguns momentos, o filme está acima da média do que se faz ultimamente no Brasil.

Apesar da demagogia

Fui ver Redentor, longa de estréia de Cláudio Torres. Tem a marca da Conspiração Filmes e, infelizmente, se perde na demagogia. Mas nada que tire outros méritos. Ponto para a ousadia de tocar em questões delicadas do jornalismo e da sociedade. Também existe preocupação em fazer uma construção lógica dos personagens. O filme é sobre um jornalista que aceita ser o laranja de um amigo empreiteiro envolvido em um escândalo imobiliário. Do elenco, destaque para as atuações de Pedro Cardoso e Fernanda Montenegro. E Miguel Falabella é aquele que, mais uma vez, interpreta a si mesmo.

21.9.04

Boom!

Leia aqui um texto de Tales Faria sobre algo que muitos jornalistas e jornais ainda insistem em não ver.

19.9.04

Quase Famosos


Listen to Tommy with a candle burning, and you'll see your future

Nesta madrugada de domingo para segunda, na Globo, tem o ótimo filme Quase Famosos (Almost Famous). Conta com bom humor a história de um jovem de 15 anos que, nos anos 70, tem a chance de escrever sobre rock para a revista Rolling Stone. Filme para quem curte rock, jornalismo, nostalgia e cinema de qualidade. O filme começa às 00h35.

18.9.04

Maria Rita em Goiânia

Além de Zeca Baleiro (dia 15), Capital Inicial (dia 22) e Pretenders (dia 30), quem também confirma presença em Goiânia, no mês de outubro, é Maria Rita (um ano depois do show do Centro de Convenções). O evento agora vai ser no Ginásio do CEL da OAB, na véspera do aniversário da cidade.

15/10 - Zeca Baleiro
Local: Cel da OAB
Ingresso: 30 reais (inteira, em pé)
180 reais (mesa para 4 pessoas)

22/10 - Capital Inicial
Local: Goiânia Arena
Ingresso: Meia de 15 reais (três mil primeiros)
Camarote: 40 reais (open bar)

23/10 - Maria Rita
Local: Cel da OAB

Ingressos:
Cadeiras não numeradas (em frente ao palco): R$ 40
Cadeiras não numeradas normais: R$ 30
Vendas:

Tribo do Açaí - Tel. : 281-6971
Lips Fashion - Tel.: 3941-5079
Vacalhau e Binho - Tel.: 278-2929
Informações: 204-2193


30/10 - Pretenders
Local: Goiânia Arena
Ingresso: Pista de 25 reais
Camarote de 50 reais
Mesa de 120 reais
Vendas: Bridge (Buena vista) e Trupe do Açaí

17.9.04

Spielberg ao cubo

O humanismo juvenil de Spielberg agora é anti-Bush em O Terminal. Anti-bush, pero no mucho. No alvo, o problema da imigração nos Estados Unidos. Tom Hanks interpreta um homem impedido de entrar nos States por causa de uma revolução em seu pequeno país, tendo de ficar preso por dias em um terminal de aeroporto. Tom Hanks vai bem, Catherine Zeta-Jones também (a ironia de Andrea Regis diz que o papel ficaria melhor em Meg Ryan). Nunca Spielberg foi tão Spielberg: o protagonista tem problemas com o pai, o lado crítico do filme é rasteiro e, mais do que nunca, é diversão familiar.

LSD

A sigla ganha nova homenagem. Depois de Lucy in the Sky with Diamonds dos Beatles e de sem lenço sem documento do Caetano, aparece a faixa 3 do ótimo álbum de Arnaldo Baptista (Let It Bed) saudando o trio de letras. "Louvado seja Deus / Que nos deu o Rock' n Roll", diz ele. A bula das 13 canções do disco está no sítio da revista Outracoisa. E o disco está encartado na mesma revista. Nas bancas.

The Pretenders

A organização jura que é oficial: show dos Pretenders dia 30/10, sábado, no Goiânia Arena. Ingressos na Bridge (Shopping Buena Vista) e na Trupe do Açaí. Preços? R$25 (pista), R$50 (Camarote), R$120 (mesas).

Los Hermanos

Hoje tem Paralamas e Los Hermanos no Goiânia Arena, a partir das 22 horas. Ainda havia muitos ingressos disponíveis até o final de quinta. Preço: R$20 (meia) e R$40 (inteira). Vendas antecipadas: Tribo do Açaí e Lojas Calango. Aos apressados: portões abertos às 20 horas.

16.9.04

Descaminho?

O reino da necessidade é a indústria menos o que não presta. O reino da liberdade tem de crescer por si e não pode ser disciplinado. Entre o romantismo dos ingênuos e o silêncio dos cínicos, optou pelo descaminho.