Descaminho

17.10.04

Silêncio é personagem em O Ovo

Bom, depois de divulgá-lo em um post abaixo, chegou a vez de fazer a defesa de O Ovo.

O filme de Nicole Algranti foi questionado por supostamente ter excedido em maneirismos, seja na filmagem em preto-e-branco ou nos enquadramentos e cortes pouco usuais. Engano. Nicole não levou ao cinema vaidade pela vaidade. Sua missão foi traduzir para o cinema uma literatura introspectiva. No caso específico do conto, também enigmática.

Nicole poderia ter sido covarde, optando pelos meios mais convencionais e com respeito às regrinhas básicas de adaptação. Preferiu não se refugiar na burocracia. Ao fim, produziu 11 minutos que parecem dois, de tão leves que ficaram. Manteve o enigma e, mais importante, seguiu em sintonia com a alma do conto. Já dizia Clarice: "O amor pelo ovo também não se sente. O amor pelo ovo é supersensível. A gente não sabe que ama o ovo."

Quem vê o filme fica com a nítida sensação de enxergar de dentro para fora do ovo, com a idéia de liberdade tomando conta de quem ama o que vê, mas não sabe porque está muito inserido no processo. A telona funciona como janela para o mundo, por mais clichê que seja dizer isso em palavras.

As cenas, leves, adquirem força quando percebemos, dias depois, que ainda continuam presentes na mente. Não há excessos para atrapalhar a sensibilidade do filme, cujo silêncio cumpre o papel de personagem. Talvez o principal.