Descaminho

28.12.04

Susan Sontag


Susan Sontag e o livro que revolucionou os estudos da imagem

Morreu hoje, aos 71 anos, Susan Sontag, uma intelectual que herdou o que os anos 60 tiveram de melhor. Ela sabia ser sutil, sabia atacar o moralismo, sabia derrotar os cínicos e sabia desmontar os irônicos. Para azar dos adversários, a história sempre mostrou que ela tinha razão.

Que eu saiba, não perdeu uma polêmica. Já no começo dos anos 80, quando a epidemia era novidade, dizia que pior do que a Aids era o moralismo em torno da doença.

Antes, foi a intelectual responsável por levar um pouco de Europa à cultura dos Estados Unidos. Apresentou à classe média norte-americana nomes como Walter Benjamin, Roland Barthes e Godard.

Neste século, foi a primeira a condenar Bush de todas as formas, mesmo tendo quase os Estados Unidos inteiro contra si. Também foi a primeira a cobrar da esquerda um posicionamento contrário a Fidel Castro. Mesmo perdendo amigos por isso.

Quando os fotógrafos surrealistas estavam na moda, atacou-os dizendo que eles não passavam de "turistas burgueses" que "se deliciavam" diante do espetáculo da sordidez.

Quando escreveu, ousou como nunca, acertou como sempre. São tocantes suas teses em A Doença como Metáfora e Sobre a Fotografia. No primeiro livro, apresenta de forma belíssima um ensaio sobre o câncer e a tuberculose e as fantasias em torno dessas doenças.

No segundo livro, publicado em 1977, fez aquele que considero o melhor e mais sensível livro já escrito sobre a arte de fotografar. Foi publicado no Brasil em 1983 e republicado este ano pela Companhia das Letras (R$ 36). Cito alguns trechos:

"Fotografar é, em essência, um ato de não-intervenção. A pessoa que interfere não pode registrar; a pessoa que registra não pode interferir"

"Uma câmera é vendida como arma predadória - o mais automatizada possível, pronta para disparar. Falamos em "carregar" e "mirar" a câmera e em "disparar" a foto. As pessoas talvez aprendam a encenar suas agressões mais com câmeras do que com armas. Um caso em que as pessoas estão mudando de balas para filmes é o safári fotográfico, que está tomando o lugar do safári de armas"

"Ninguém jamais descobriu a feiúra por meio de fotos. Mas muitos, por meio de fotos, descobriram a beleza. Salvo nessas ocasiões em que a câmara é usada para documentar, ou para observar ritos sociais, o que move as pessoas a tirar fotos é descobrir algo belo. É comum, para aqueles que puseram os olhos em algo belo, lamentar-se de não ter podido fotografá-lo. As fotos, mais do que o mundo, tornaram-se o padrão do belo"

Por último: sabe aquela história de dizer que algo é tão ruim, mas tão ruim, que acaba ficando bom? Tudo é tão exageradamente ridículo que acaba ficando engraçado? Pois é, quem teorizou sobre isso foi Susan Sontag, em 1964, no até hoje badalado texto Notas sobre o camp. Era, segundo ela, o "abuso do artifício, do exagero e da estilização, em vez de uma aposta no conteúdo".