Descaminho

25.1.05

O Desprezo


Brigitte Bardot e Jean-Luc Godard filmaram O Desprezo em 1963

O Desprezo, de 1963, não foi um filme qualquer. Foi - e ainda é - a rara chance de ver um Jean-Luc Godard linear, com início, meio e fim. Não é qualquer dia que se tem Godard na direção e Brigitte Bardot no elenco. Muito menos com ambos no auge.

O filme começa com Godard apresentando, de viva voz, os créditos da película, ao mesmo em que um filme sendo rodado nos introduz ao universo de O Desprezo.

Foi nos anos 60 que o cinema descobriu sua modernidade. Pela primeira vez cinéfilos competentes assumiram a direção dos filmes e, com isso, passaram a usar e abusar da metalinguagem - para o bem do cinema. Um filme era, antes de tudo, também uma oportunidade para discutir cinema. Era a Nouvelle Vague.

O Desprezo critica com ferocidade o modo de fazer cinema em Hollywood e rompe com expectativas do público. Não era pouca coisa para 1963. E Brigitte Bardot? Ela, no filme, aparece nua algumas vezes (sempre deitada de costas) e interpreta uma datilógrafa entediada com o marido (Michel Picoli), um escritor bem sucedido que tem dúvidas se topa ou não fazer um roteiro exótico com base na Odisséia, de Homero.

Um personagem, no filme, é imperdível: o produtor do "filme dentro do filme" Jerry Prokosch ( interpretado por Jack Palance). Prokosch é a caricatura em pessoa. Há exagero também, proposital, no uso de travellings. Explora-se bastante, também, as possibilidades da tela larga do cinemascope. Outro exagero é tédio de Bardot, a ponto de deixar a platéia irritada com a situação e, principalmente, com os diálogos intermináveis travados dentro do apartamento.

A propósito das cenas de tédio com Brigitte Bardot, a própria atriz escreveu sobre como foi filmar com Godard em seu livro de memórias publicado em 1997 (Iniciais BB - Memórias, 602 págs, R$ 48, Editora Scipione).

Veja o que Brigitte Bardot diz a respeito de Godard:
"No início de 1963 conheci Jean-Luc Godard e seu chapéu, que não saía de sua cabeça em nenhum momento. Era o oposto de todo o meu mundo, de todas as minhas idéias. Não trocamos três palavras, ele me deixava petrificada. E eu devia deixá-lo aterrorizado. Hesitei muito em fazer O Desprezo. Aquele gênero de intelectual, de maluco e de esquerdista me deixava de cabelos em pé! Ele era a figura de proa da nouvelle vague e eu era a estrela clássica por excelência"

Godard respondeu, no mesmo ano, às críticas de Bardot. Confira:
"Não, não leio coisas desse tipo [perguntado se tinha lido sobre o livro de Bardot]. Sobretudo agora, depois das declarações dela. Antes, eu a achava até simpática, com seus bichos. Na época de "O Desprezo", nós nos demos muito bem, não houve nenhuma rixa, era muito agradável. O que ela escreve hoje é problema dela. Mas ler as lembranças de Bardot, isso não! Se fosse assim, eu preferiria ler as de Nadine de Rothschild. Prefiro ler as memórias de Jean-François Revel. Ou o último John Le Carré - isso satisfaria meu gosto pelos agentes duplos. Sempre me senti um agente duplo. A gente não vem da Terra, mas, mesmo assim, está nela"

1 Comments:

Blogger Lucimeire Santos said...

Eduardo, além da metalinguagem, me impressionou como Godard trabalhou os "ditos e não-ditos" e os dilemas morais do casal. Apesar de muita gente ter chamado de entediante, achei os diálogos surpreendentes. Vulnerável, indecisa ou não, para mim, Camille, personagem de Brigitte Bardot, é extremamente complexa.

Luci

10:05 PM  

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