Descaminho

14.1.05

Para sociólogo, morte dos jornais tem causa

Lembrei hoje, a propósito de uma reexibição no Roda Viva, de uma entrevista do sociólogo italiano Domenico De Masi a uma revista de negócios distribuída no penúltimo Fórum Social Mundial (o último realizado em Porto Alegre, antes deste que começa semana que vem).


Sempre li De Masi com restrições. O pensamento dele é por demais maniqueísta e categórico em excesso para situações que exigiriam um pouco mais de cautela. Neste ponto, prefiro o velho e bom Pierre Bourdieu, que sempre fugiu das polarizações, preferindo a perspectiva relacional.


Mas Bourdieu não vem ao caso. Na entrevista, De Masi discorreu sobre o problema dos jornais no mundo. Ele, que domina a sociologia do trabalho, disse que, naquele momento, poderia falar com propriedade sobre os jornais porque tinha estudado a fundo o cotidiano de duas redações de jornal na Itália. Estava prestando uma consultoria para melhorar o ambiente de trabalho nas duas publicações.


O grande problema dos jornais, concluiu De Masi, está no gerenciamento. Mais especificamente, nos editores. Seriam eles os responsáveis pela morte do jornalismo. Aí começa o perigo do maniqueísmo. Em todo caso, vamos lá.


De Masi percebeu que o editor, qualquer um (daquele que cuida de variedades ao editor-geral), é alguém que finge para si mesmo que tem muito trabalho e que, por isso, fica muitas horas na empresa. Faz isso para poder justificar, aos superiores e subalternos, o salário diferenciado que tem.


Como o editor se sente na obrigação de bajular os superiores, passa horas e horas ali dentro do jornal, sendo que todo o serviço poderia ser feito em no máximo cinco ou seis horas. Mas fica umas dez ou doze horas por dia. E, se valendo da força da hierarquia, força alguns dos repórteres a também fazer isso, mesmo sem necessidade.


Em vez de gastar esse tempo adicional para fazer coisas proveitosas, como apreciar cinema, teatro, literatura ou mesmo descansar a cabeça com futilidades, o editor fica dentro da redação de jornal fazendo hora. E, quase sempre, transmitindo pessimismo. Vira o burocrata por excelência: inventa ordens, regras e promove reuniões, muitas reuniões, a maioria delas sem proveito nenhum. Reclama dos repórteres, mas nunca os elogia. E adora punir o erro. E ambiente que descarta possibilidade de erro é o primeiro a matar a criatividade.


Editores comandam suas equipes sob a arte do controle, em vez da arte da motivação. Como são tratados por seus superiores assim, reproduzem a prática com os subalternos. Patrões e editores esquecem que repórteres praticam uma atividade intelectual e não mecânica. Tratam os repórteres como funcionários prontos para apertar parafusos.


Como o ambiente de trabalho passa a ser dominado por editores assim, a burocracia se torna hegemônica. Mais um motivo para a criatividade se sentir retraída. É expulsa ou então cai fora do jornal.


Foi o diagnóstico de De Masi para os problemas dos grandes jornais da Europa: as mentes criativas foram embora e, as que sobraram, participam do jornal de forma terceirizada. Dentro das redações só sobraram os burocratas.


Motivo suficiente para os leitores cada vez mais acharem os jornais entediantes. Motivo que também explicaria fácil porque os jornais estão cada vez mais parecidos.


Isso é parte do pensamento de De Masi. Maniqueísta? Sim. Generalizante? Sim. Mas às vezes é preciso generalizar para chamar a reflexão. Ainda que editores não sejam tão desprezíveis como se pensa e nem repórteres tão santos como se supõe.

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Meu Deus! Todos os jornais do mundo são assim tão iguais! Acho que estou precisando ler De Masi!

9:23 AM  
Anonymous Anônimo said...

Derrida dizia que existem filósofos e pensadores. São figuras diferentes.
De Masi entende muito pouco de "sociologia do trabalho", algo que se pode ver melhor em Richard Sennet, para ficar num nome mais conhecido. Ler "A corrosão do caráter". De Masi é uma daquelas figuras do jet-set de palestras, com sua tese furada do "ócio criativo", para platéias que vão a Davos.
O jornalismo deveria ser um contraponto ao burocratismo e o "gerencialismo" do mundo corporativo moderno. Mas não: reproduz tudo e as empresas jornalísticas vivem buscando os consultores para incorporar o que existe de mais deletério em um Wal-Mart (veja um artigo do Nicolau Sevcenko na Carta Capital de duas semanas atrás).
O mundo do trabalho tem suas mais fecundas análises em gente como Robert Kurz, que fala da morte do trabalho. Se antes a preocupação era em amainar a exploração, ironicamente devemos rezar para que alguém nos explore porque o capitalismo prescinde da mão-de-obra.
No caso do jornalismo, o próprio Bourdieu fornece meios de análises muito mais interessantes nos seus conceitos centrais de campo, habitus e capital. Esqueça esse De Masi.

2:43 PM  
Anonymous Anônimo said...

Willian Shawn, editor da revista "The New Yorker", costumava dizer que uma de suas funções era tornar o texto do repórter mais dele, escolhendo a melhor palavra para traduzir aquilo que ele (repórter) queria dizer. A tarefa era exercida magistralmente. Shawn comandou gente como John Hersey, autor de "Hiroshima", e Joseph Mithchell, que escreveu "O segredo de Joe Gould". Seu trabalho, obviamente, extrapolava o mecaniscismo da edição.

A revista revolucionaria o jornalismo, agregando a ele técnicas da narração e descrição, que deram impulso ao "Novo Jornalismo". Para Shawn, o repórter era o centro da revista. Acreditava nele, colocava-o nas ruas para trabalhar num único perfil ou reportagem por anos a fio. E podia ser um simples boêmio, como Gould, de Mithchell.

Infelizmente, não existem editores como Shawn nos grandes jornais. O mecanicismo, as relações promíscuas, a falta de criatividade e capacidade - tanto de (nós) repórteres como de (nós) editores - mataram o bom jornalismo.

Lucimeire

1:14 PM  

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