Descaminho

25.1.05

Quase dois irmãos: sociologia barata

A idéia é muito boa: dissecar como foi, nos anos 60 e 70 da ditadura, o encontro entre presos políticos e prisioneiros comuns nas penitenciárias brasileiras. O resultado, entretanto, de Quase Dois Irmãos, filme de Lúcia Murat, é sofrível: os preconceitos abundam, o maniqueísmo é escancarado e originalidade não há.

O filme consegue ir bem no paralelo de três tempos narrativos que faz: anos 50, anos 70 e hoje. A história, no entanto, se passa quase toda na prisão e dois presos simbolizam a dicotomia proposta no argumento. Miguel (Caco Ciocler) é um preso político por fazer oposição à ditadura. Jorge (Flávio Bauraqui) é detento comum, preso por assalto a banco.

A forma como os dois personagens - e seus grupos - são construídos é de um primarismo imperdoável. Os presos políticos aparecem como seres castos, que detestam maconha e são quase santos. São também brancos, se vestem bem e nutrem afeição por animais (a história do gato morto pelos presos políticos simboliza bem o maniqueísmo da diretora - que, por sinal, foi também presa política). Os presos comuns são irracionais, se vestem mal, são todos negros, detestam animais e pregam a selvageria na prisão.

Com tal visão maniqueísta imposta, não haveria como se fazer algo bom. O roteiro tem ainda forte colaboração de Paulo Lins - principalmente nas cenas das favelas do Rio de Janeiro - o que faz o filme parecer um Cidade de Deus 2 em vários momentos.

A lógica é tentar nos convencer que os presos políticos dos anos 70, por algum motivo não-explicado no filme, assumiram hoje o poder político no país. Já os presos comuns da mesma época, também por algum motivo inexplicável, comandam hoje o poder paralelo, dominado pelo tráfico de drogas.

A diretora, que já havia escorregado em filmes como Doces Poderes, se sai ainda pior com Quase Dois Irmãos. Propõe descobrir causas, mas não consegue fugir de seus próprios preconceitos.